A necessidade de composição entre as partes nos contratos de locação

Artigo de Maria Regina de Castro Busnello e Karen Cristina Ormundo

A lei nº 13.979 1 de 06 de fevereiro de 2020 disciplina o isolamento e a quarentena sobre a questão da pandemia do novo coronavírus. A quarentena atingiu a situação de emprego no país, acarretando a redução ou perda da remuneração das pessoas. As atividades empresariais e o comércio, de forma geral, foram interrompidos por força da quarentena e consequente isolamento decorrente da pandemia de COVID-19, medida fundada na Lei Federal nº 13.979/2020 e, no âmbito local da capital de São Paulo, no Decreto Estadual nº 64.881/2020 2 e decretos municipais.

O valor médio dos aluguéis na capital de São Paulo, no mês de fevereiro de 2020, foi de R$ 900,00 (novecentos reais), segundo pesquisa do Creci-SP 3 . O locatário que paga esta faixa de valor tem renda familiar de, aproximadamente, R$ 3.000,00 (Três Mil Reais), ou seja, três vezes o valor do aluguel, e devemos considerar que esta renda se destina ao pagamento de todas as despesas, alimentação, transporte, medicamentos, entre outros. 

Nesse sentido, a prática tem demonstrado que o locatário que teve seu pequeno negócio fechado, ou perdeu o emprego, terá dificuldade para arcar com o pagamento do aluguel, seja ele residencial ou não. Diante da situação, surgem as discussões em relação à obrigação quanto ao pagamento do aluguel. Um ponto a ser observado é que a locação decorre e um contrato pelo qual uma das partes remunera a outra pela utilização do imóvel locado.

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1 Brasil. Lei nº 13.979/2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm - Acesso em: 23 de maio de 2020 às 14hs05. 2 Brasil. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Decreto Estadual nº 64881/2020. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2020/decreto-64881-22.03.2020.html – Acesso em 23 de maio de 2020 às 15hs. 3 Brasil. Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo (CRECISP). Pesquisa CRECISP: Venda e Aluguel de Imóveis Usados – fevereiro de 2020. Disponível em: https://www.crecisp.gov.br/Files/marketresearch/4ffd4988-4292-4b39-913c-f91c141618f7_pesquisa-crecisp-estadual-fevereiro-20201.pdf - Acesso em 23 de maio de 2020 às 17 horas.
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Com os efeitos da crise econômica, muitos locatários estão impossibilitados de cumprir suas obrigações com o pagamento do aluguel. Sendo necessário que haja uma adequação do aluguel à nova realidade, sejam as locações residenciais ou não. O desafio é fazer com que o locador aceite a redução do pagamento, principalmente, os que dependem dessa renda. O problema é que tanto os especialistas da área da saúde quanto os da economia não se arriscam a fazer uma projeção de quando terminará o isolamento, e nem quando haverá a recuperação econômica.

Assim, existe uma quantidade expressiva de contratos de locação com valores considerados pequenos, a serem negociados. E nesses casos, existe a necessidade de uma composição para a solução do problema. Não se demonstra prático nem interessante para o locatário permanecer sem pagar o aluguel, pois pode ser despejado, sofrer ação de cobrança, e posteriormente terá dificuldade para alugar outro imóvel.

Neste aspecto, é importante destacar o Projeto de Lei nº 1179 de 2020 4 , de autoria do Senador Antonio Anastasia, ainda em tramitação, atualmente na Câmara dos Deputados, que em seu artigo 10, pretende suspender o pagamento dos aluguéis vencidos a partir de 20 de março até 30 de outubro de 2020. 

De todo modo, ainda que o projeto de lei não venha a ser aprovado, é de fundamental importância a negociação entre as partes, buscando-se a melhor solução para o locador. Não parece razoável o locador não conceder desconto ao locatário, considerando o momento vivido e a realidade do mercado imobiliário. Atualmente está difícil alugar um imóvel, principalmente se considerarmos que o locatário que precisa do desconto pode ser um bom pagador.

Romper o contrato pode trazer prejuízos maiores para as partes, se tiverem que buscar o judiciário, atrasando a solução do litígio, e até uma nova locação, gerando perdas financeiras e gastos desnecessários de energia. Existe diferença entre a locação residencial ou não residencial – comercial. Os primeiros casos de negociação foram de imóveis comerciais, que tiveram de fechar as portas, perdendo totalmente o rendimento. 
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4 Brasil. Projeto de Lei nº 1179 de 2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19). Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141306 – Acesso em 25 de maio de 2020 às 13hs.
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Entretanto, cada vez mais as negociações se voltam para os imóveis residenciais, cujos locatários podem precisar de desconto ou de parcelamento para pagamento de aluguéis atrasados. Com relação à locação residencial, hoje mais do que nunca, o imóvel está à disposição do locatário, pois com o isolamento, as pessoas permanecem mais tempo em casa, inclusive trabalhando em home office, e as crianças tendo aulas remotas, e o imóvel está sendo usado em sua plenitude.

Quanto ao imóvel comercial, a situação é diferente, a maior parte deles fechou no dia 24 de março, quando foi decretado pelo governador o isolamento social como medida para evitar a propagação do vírus. O comércio em geral foi obrigado a fechar, permanecendo em funcionamento somente os serviços essenciais como saúde, alimentação e segurança. A recomendação é que o locatário não acredite nas informações de que não deve pagar o aluguel, pois a obrigação é fruto de um contrato estabelecido entre as partes, seja escrito ou verbal, e deverá ser cumprida. 

A situação que impede o pequeno empresário de abrir o seu estabelecimento o faz acreditar que, se não tem rendimento, não deve pagar o aluguel, considerando irrelevante a obrigação contratual assumida, e transferindo para o locador toda a responsabilidade pelo prejuízo suportado, o que não é realidade. Esquece que o contrato faz lei entre as partes e que continua com a posse do imóvel, que guarda seus pertences, seu estoque etc...

É importante que fique claro para as partes que a relação contratual de locação não é uma relação de consumo, é regida pela Lei 8245/91 que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes e, subsidiariamente, pelo Código Civil, sendo prevista a revisão contratual.

O Locador não é obrigado a aceitar o valor que o locatário quer ou pode pagar. Por outro lado, deve entender que o mercado de locação levará algum tempo para se normalizar após a pandemia, devendo ter tolerância, mesmo considerando que pode ter o aluguel como sua única fonte de renda.

As partes devem atentar para algumas circunstâncias: 
a. A necessidade da revisão deve ser comprovada, uma vez que o locatário
pode ter continuado a trabalhar sob a forma de delivery.
b. As características do bom pagador devem consideradas.
c. As partes devem entender que a alteração contratual foi ocasionada por um vírus que atingiu o mundo e que, quando o estabelecimento for reaberto, é necessário considerar ainda, que as medidas de distanciamento social não permitirão o
funcionamento do imóvel nos mesmos moldes que antes, o que impactará na renda.

Com relação ao desconto, deve ser mantido durante o período em que vigorar o isolamento, diminuindo na medida em que as atividades voltarem à normalidade. O desconto, ainda que pequeno, deve ser concedido sem que se pense na devolução posterior, pois certamente o locatário já terá parcelado outras dívidas e terá dificuldade de pagar um valor muito maior de aluguel, a situação pode se transformar em uma bola de neve.

Como cautela é importante colocar em um documento, que pode ser encaminhado às partes por e-mail, ou ainda impresso e entregue por motoboy, para que assinem, valendo também a assinatura eletrônica. Nesse documento, deve constar que as condições serão válidas apenas durante a pandemia, já que não se sabe quando irá acabar, ou por um período determinado. Se a garantia for fiança, o fiador também deverá assinar ou tomar ciência de forma inequívoca, confirmando o recebimento e concordando com os termos.

Será proveitoso para ambas as partes, locador e locatário, um acordo extrajudicial pautado na boa fé e no bom senso.
Em atendimento ao Princípio da Boa-fé, há que se considerar também que, a pandemia, que atualmente assola o país, atinge as relações jurídicas, obrigando que as atenções se voltem para a função social do contrato e o reequilíbrio da relação contratual, possibilitando que a adoção de medidas emergenciais reequilibrem e mantenham a relação contratual.

O Código de Processo Civil, em seu artigo 3º 5 , resguarda o direito de todos ao acesso à justiça, mas estimula a extrajudicialização, preceitua que é dever do Estado promover as formas alternativas de resolução de conflito sempre que possível, e no parágrafo 3º, reitera o dever de estímulo à formas de solução consensual de conflitos, como a mediação e a conciliação.

Podemos concluir, que com o acordo firmado entre as partes, o equilíbrio contratual será restabelecido, e o locatário poderá concentrar seus esforços na retomada de seu negócio. 

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5 Brasil. Código de Processo Civil. Lei 13.105 de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm – Acesso em 25 de maio de 2020 às 13hs30.
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Maria Regina de Castro Busnello é Advogada, Corretora de Imóveis, Conselheira do CRECISP e Professora Universitária, atuante no ramo do direito imobiliário.

Karen Cristina Ormundo é Advogada, especialista em Direito Civil e Consumidor.