Uma tragédia esperada

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 05/05/2018

Foto: Divulgação - Prefeitura SP

Foto: Divulgação - Prefeitura SP

Os números exigem uma solução rápida! Segundo dados divulgados pelo Grupo de Mediação e Conflito da Secretaria de Habitação, nos últimos dias, a cidade de São Paulo conta, atualmente, com 206 ocupações totalizando quase 46 mil famílias vivendo em condições precárias de habitação.

São cortiços, terrenos e prédios, uma boa parte sem manutenção, com fiação elétrica à mostra, acúmulo de material inflamável, sistemas de hidrantes inoperantes, refazendo o cenário aterrorizante que o mundo viu ir ao chão com o incêndio do edifício Wilton Paes de Almeida, na terça-feira passada.

A maioria desses prédios pertence ao Governo e os problemas vão se acumulando. Além da grave questão da falta de segurança, no caso das ocupações, acarretando situações como a do incêndio recente, retira-se do cidadão o seu direito à moradia previsto na Constituição, que vai além de ter um teto para morar. O Estado tem por obrigação garantir água, luz, esgoto, além de propiciar o acesso à escola, creche, transporte público, lazer, limpeza pública, enfim, quesitos básicos para se levar uma vida com dignidade.

O grande número de prédios abandonados na Capital contribui para o aspecto degradante da paisagem urbana. E, muitas vezes, acaba saindo mais caro ao erário manter esses locais livres de ocupações do que transformá-los em moradias sociais, que, pelo menos, minimizem a demanda habitacional do município. 

No ano passado, a Prefeitura deu indícios de que haveria um investimento na revitalização de imóveis já existentes - principalmente aqueles localizados no Centro da cidade - que poderiam contar com aluguel subsidiado e favorecer a população de baixa renda. No entanto, até agora, nenhum resultado concreto foi anunciado.

Mais triste é saber que as famílias que se valem de ocupações como último recurso para assegurar um teto ainda se veem obrigadas a pagar alugueis se quiserem residir nessa precariedade.

O programa Minha Casa Minha Vida, além de aquecer a economia, prometia em seu lançamento, resgatar o acesso à casa própria, especialmente às famílias de baixa renda, por meio de subsídios e descontos.

Infelizmente, em cidades maiores, como a nossa Capital, os resultados em especial para a Faixa 1 do Programa ficaram muito aquém do esperado. Permanecemos com um déficit habitacional enorme, e com um sem número de submoradias e cortiços, sem contar os prédios públicos onde há ocupações.

Isso porque desenhou-se um programa habitacional onde a única solução era a construção e aquisição da casa própria, como historicamente se tem feito no País desde a década de 1960 com a criação do BNH. Contudo, os problemas habitacionais e urbanos no Brasil são mais complexos e não podem ter uma única solução. Se de um lado há um déficit de milhões de moradias no país, do outro, existem prédios públicos abandonados e milhões de casas e apartamentos vazios espalhados por todo o território nacional. Assim, é preciso pensar em políticas de acesso à moradia que não estejam focalizadas apenas na casa própria, mas que também vislumbrem mecanismos como ajuda no pagamento do aluguel, como é feito em outros países.

Cabe, ainda, um questionamento sobre o porquê de não se estender os benefícios propostos pelo MCMV aos imóveis usados, já disponíveis no mercado, e que viriam suprir, em especial, a demanda dessa parcela da população de forma mais efetiva. Eliminar-se-ia o problema da falta de terrenos, do preço da mão de obra e dos insumos e, ainda assim, seria possível dar continuidade à geração de emprego e renda, à medida que fossem feitas as reformas necessárias para a adequação dessas propriedades aos requisitos propostos pelo Programa.

Também se faz necessário o desenvolvimento de ações globais, que incluam tanto o subsídio às famílias carentes quanto o combate ao desemprego, oferecendo condições de vida melhores e a oportunidade do custeio de suas próprias moradias. O esforço tem que partir prioritariamente do Governo, mas a população toda precisa fazer sua parte.

Se não houver uma verdadeira força-tarefa nesse sentido, corremos o risco de que situações como a ocorrida na última semana acabem fazendo parte do lugar comum da cidade.
São Paulo é uma cidade-bomba e está para explodir a qualquer momento. São inúmeras pessoas vivendo sem as menores condições de dignidade para um ser humano. Os perigos de incêndio e de morte para as famílias e em especial idosos e crianças são iminentes.

Tragédias como essa podem acontecer a qualquer momento. Existe uma omissão histórica por parte das autoridades e isso precisa mudar!