Imóveis: um mercado em erupção?

Texto veiculado no jornal 'O Estado de São Paulo' dia 25/01/2014

Muito já foi dito, ao longo dos últimos anos e, especialmente nos últimos meses, a respeito de uma possível bolha imobiliária no Brasil. As reflexões se dividem entre os que estão totalmente céticos quanto a essa possibilidade e os alarmistas de plantão, que já escutam os sons da explosão cada vez mais próximos. Há quase quatro décadas nesse segmento, e com base em tantas mesas de negociação pelas quais já passei, penso ter adquirido experiência e conhecimentos suficientes no mercado imobiliário para poder opinar a respeito. O que tenho acompanhado, mais especificamente desde 2006, quando o nosso setor mostrou ânimo novo para retomar seu crescimento, não me dá indícios de que o País já tenha atravessado ou ainda venha a contar com uma bolha imobiliária para tirar o sono dos nossos economistas e investidores. Parte de minha análise se baseia, inicialmente, no próprio déficit habitacional do Brasil. Há décadas se fala em números que variam entre 6,5 a 7,5 milhões de unidades e, por mais que governantes criem planos e construtores empenhem cimento, argamassa e mão de obra, a quantidade de imóveis produzidos bastou somente para conter o crescimento orgânico do segmento. Parece que, por um bom tempo, ainda haverá uma grande demanda a ser suprida e essa flutuação dos estoques é plenamente cabível frente aos altos e baixos da própria economia. E quanto aos financiamentos? Quando se trata de emprestar grandes somas por prazos que, em geral, não são menores do que 20 anos, é certo que as instituições financeiras buscam inúmeras garantias com relação à capacidade de pagamento de seus pretensos mutuários. Nenhum banco brasileiro já abriu suas portas para conceder crédito sem ao menos se certificar de que aquele compromisso seria passível de ser cumprido pelo cliente. Mantendo ainda esse raciocínio, também se pode afirmar que a valorização dos imóveis é guiada por esse déficit de moradias e, considerando essa fraca capacidade produtiva das incorporadoras - que entregam, em média, 1,5 milhão de imóveis ao ano - o bem financiado terá valor superior àquela relação existente no início do contrato com o banco, aumentando, consequentemente, a garantia das instituições financeiras. A lista de exigências dos bancos para quem está comprando uma casa é grande e o crédito não é tão farto e barato a ponto de estimular as famílias a tomarem empréstimos que não terão capacidade de honrar. Além disso, os preços dos imóveis não são superfaturados para a concessão do crédito, já que são avaliadores contratados pelos próprios bancos os responsáveis pelas avaliações e, a inadimplência está sob controle - segundo dados da Abecip, não ultrapassou os 2%. Quem diz ao contrário, fazendo comentários infundados sobre a questão, não conhece a realidade de nosso País, comparando o nosso cenário com o de outras nações, tão díspares quanto Alemanha e Etiópia. Nos Estados Unidos, por exemplo, o que aconteceu foi um comportamento desonesto de representantes de diversos segmentos ligados ao setor imobiliário, nos quais eu ousaria incluir corretores, investidores, instituições financeiras e agências de análise de risco, em uma espécie de transe coletivo que, se acontecesse no Brasil, sem dúvida, colocaria muitos atrás das grades. Recentemente, o vencedor do prêmio Nobel de Economia de 2013, Robert Shiller, concedeu várias entrevistas a inúmeros veículos de comunicação, colocando o Brasil como um sério candidato a produtor de mais uma bolha imobiliária e alegando que ``forças nacionalistas`` não estariam permitindo que a população enxergasse tal fato. Talvez não tenha passado também na cabeça da maioria das pessoas o fato de que o economista veio ao País como palestrante a convite da Bolsa de Valores, o que levantaria a possibilidade de suas declarações terem o objetivo de captar clientes para o mercado de capitais, afastando os investidores do mercado imobiliário. Essa suposta tentativa, no entanto, pode acabar frustrada pelas próprias características da nossa economia, já que no Brasil grande parte dos que adquirem imóveis o fazem com o objetivo de uso e não por especulação. É de conhecimento público que o tíquete médio dos financiamentos com recursos da poupança e do FGTS está em torno de 60%. Com isso, os bancos já concedem o crédito com uma garantia substancial e, além disso, as parcelas dos financiamentos são decrescentes. Um cenário saudável, com regras mais rigorosas para a aprovação do crédito e com um bom percentual financiado acabam transformando os papéis do mercado imobiliário brasileiro em um dos mais respeitados do mundo por sua solidez. Não há bolhas e não haverá estouros. Continuaremos a ter, sim, um crescimento na medida certa, sem inchaços ou motivos para ebulições. José Augusto Viana Neto - Presidente do CRECISP